Em que pese o Brasil ainda não tenha uma legislação vigente sobre o assunto, o compartilhamento sem autorização de conteúdo da intimidade sexual alheia em redes sociais tem se tornado um ataque cada vez mais comum contra as mulheres. O cenário se repete todos os dias: descontentes com a forma que o relacionamento terminou, meninos e homens têm utilizados as redes sociais para publicar fotos e vídeos de nudez das ex-companheiras, levando à humilhação das mesmas e, em casos mais sérios, até mesmo o suicídio.
Dentro do direito, a vingança cibernética pode ser enquadrada como um grave dano à imagem do indivíduo. Os danos à imagem são aqueles que, através de uma exposição indevida, não autorizada ou reprovável, denigre a imagem de pessoa física através de publicação de escritos, a transmissão de sua palavra ou a utilização não autorizada de sua imagem, abalando assim a honra, respeitabilidade e boa-fama, causando danos a reputação do indivíduo em questão.
O art. 20 do Código Civil proíbe expressamente a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa, salvo se autorizado ou se necessário à administração da justiça ou a manutenção da ordem pública – logicamente não cabendo essas duas últimas em caso de vingança cibernética. Além disso, o art. 5o, X, da CF diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
O direito à imagem esta intimamente ligado ao direito à vida privada, pois ambos levam em consideração a autonomia da pessoa humana e sua liberdade de tomar decisões ao que diz respeito a assuntos íntimos. Basicamente a conclusão de tal ligação é de que todas pessoas possuem direito a vida privada e a aparência exterior do homem é o primeiro, e mais relevante, dado da identidade de qualquer indivíduo, ao dar forma concreta ao ser abstrato da personalidade, consoante lição de Walter Morais.[1]
Sendo assim, a pergunta é: caso eu seja vítima de uma situação de vingança cibernética, o que eu posso fazer? Segundo o psicólogo e pesquisador de comportamento na Internet, Rodrigo Nejm[2], os primeiros passos seriam:
- Salve o endereço da página em que o conteúdo foi publicado – um dos primeiros passos é salvar o URL (aquele link que aparece no topo da página em que a publicação indevida foi feita). É preciso registrar o link completo da página do computador.
- Faça prints do material exposto para usar como provas.
- Notifique a empresa responsável pelo site ou rede social que foi utilizada pelo criminoso e peça a remoção do conteúdo passando a URL salva. O marco civil da internet determina que o material seja removido sem a necessidade de ordem judicial. Depois de notificada pela vítima, a empresa que hospeda o site ou a rede social tem 48 horas para retirar o conteúdo do ar. Em casos de fotos e vídeos estarem em um site internacional de pornografia, envie uma notificação em inglês para o site.
- Guarde os contatos que receberam, comentaram e compartilharam o material quando ele foi divulgado em comunicador instantâneo. No whatsapp ou outro aplicativo similar é fundamental registrar a lista de contatos que recebeu aquele conteúdo. Na função “mais informações” do grupo de conversa, dá para enviar por e-mail para si mesmo a lista dos telefones que compartilharam aquele conteúdo. Ainda que o número do celular não seja de quem originalmente vazou o material, a questão é que quem compartilha ou guarda essa imagem em seu dispositivo também comete crime porque usa indevidamente a imagem (ou seja, sem autorização), crime previsto no código penal. Dependendo dos comentários, as pessoas ainda podem responder por calúnia, injúria e difamação.
- Organize as provas e faça um boletim de ocorrência em uma delegacia. Se não conseguir realizar o B.O. dirija-se a Corregedoria da Polícia Civil e explique o caso.
Do ponto de vista jurídico, o próximo passo seria ingressar com um processo: pode-se entrar diretamente com um processo criminal e, posteriormente, ingressar com pedido de danos morais com relação ao fato criminoso ou diretamente na área civil – lembrando sempre que uma esfera não necessariamente irá reproduzir o mesmo resultado que a outra. Ou seja, o acusado pode ser considerado inocente do ponto de vista criminal e ser condenado no processo cível ou vice-versa.
A despeito de possíveis entendimentos ou decisões judiciais em sentido contrário, a regra a prevalecer de acordo com o desembargador aposentado Milton Fernandes[3] é de que: a) a ninguém é dado o direito de fixar e produzir imagem sem autorização do modelo; b) autorização não se presume, salvo casos particulares; c) autorização é limitada e seu objetivo específico.
Sendo assim, as violações ao direito à imagem impõe ao agressor a obrigação de reparar os danos sofridos pela vítima, seja para restauração do equilíbrio patrimonial rompido, seja para compensar o prejuízo moral suportado. O dano moral, nestes casos, repara a perda de um bem jurídico sobre o qual o lesado tem interesse e a reparação se faz através da fixação de uma indenização com a finalidade de amenizar os sentimentos indesejados, os quais tiveram como causa a violação do direito. A reparação, ainda, tem como objetivo representar para o ofensor um desestímulo a novas práticas abusivas.
Retira-se dos julgados alguns julgamentos cíveis ligados ao tema:
EMENTA: PRESCRIÇÃO DIVULGAÇÃO DE IMAGEM DA APELANTE NUA SENTENÇA QUE EXTINGUE O PROCESSO COM BASE NO ART. 269, IV, DO CPC DANO CONTINUADO PRESCRIÇÃO AFASTADA RESPONSABILIDADE CIVIL DANO MORAL CAPTURA CLANDESTINA E DIVULGAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE IMAGENS DA APELANTE NUA VIOLAÇÃO A DIREITO DE PERSONALIDADE CIDADE PEQUENA INTENSA REPERCUSSÃO SOCIAL DO FATO INDENIZAÇÃO ARBITRADA EM R$ 50.000 DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO (TJ-SP – APL:00008359020098260060 SP 0000835-90.2009.8.26.0060, Relator: Lucila Toledo, Data de Julgamento: 05/03/2013, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/03/2013)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EXPOSIÇÃO DE FOTOS ÍNTIMAS NA INTERNET. OFENSA À INTIMIDADE E PRIVACIDADE. DANO À IMAGEM CONFIGURADO. VERBA INDENIZATÓRIA MANTIDA. 1. Incontroverso nos autos a autoria do ato lícito atribuída ao réu em face de perícia que atestou a postagem das fotografias a partir do computador do demandado. 2. Quantum indenizatório fixado com razoabilidade para o caso – R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) – suficiente para reparar o dano sem causar enriquecimento indevido à vítima e ao mesmo tempo punir o demandado, contribuindo para estimular condutas mais compatíveis com a ética e decência exigidas pela vida em sociedade. 3. Ainda que a autora tenha ingenuamente confiado em seu então namorado, mostrando-se em posições eróticas através do instrumento de web cam, houve quebra de confiança da parte do réu, que salvou as imagens e posteriormente as divulgou, conduta esta que está a merecer firme reprovação ética e jurídica. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70064472871, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 24/06/2015). (TJ-RS – AC: 70064472871 RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Data de Julgamento: 24/06/2015, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 26/06/2015)
EMENTA: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DANOS MORAIS. DIVULGAÇÃO DE IMAGENS ÍNTIMAS, SEM O CONSENTIMENTO DA AUTORA, EXTRAÍDAS DE PROGRAMA DE TROCA DE MENSAGENS INSTANTÂNEAS, COM UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO DE WEB CAM. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE PRIVACIDADE E INTIMIDADE (CF, ART. 5º, X). FALTA DE PROVA DE FATO MODIFICATIVO, EXTINTIVO OU IMPEDITIVO DO DIREITO DA AUTORA. ÔNUS DO RÉU (CPC, ART. 333, II). DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. CRITÉRIOS PARA AFERIÇÃO DO VALOR DO DANO. RAZOABILIDADE E PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. RECURSO DO AUTOR DESPROVIDO. RECURSO DA AUTORA PROVIDO PARA MAJORAR O MONTANTE INDENIZATÓRIO. A divulgação de imagens íntimas, não autorizadas, na internet caracteriza lesão à honra e à imagem, além de violar o direito de privacidade e de intimidade da vítima, dando azo ao reconhecimento de danos morais, que se presumem. Incumbe ao réu o ônus de provar fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor, sob pena de procedência dos pedidos (CPC, artigo 333, II). A indenização do dano moral há de ser fixada pelo magistrado para servir, ao mesmo tempo, de abrandamento da dor experimentada pelo ofendido, com o devido cuidado para não torná-lo rico sem causa, e de exemplo pedagógico, com vistas a evitar a recidiva do ofensor, devendo conter, em si mesmo, a força de séria reprimenda. (TJ-SC – AC: 85322 SC 2007.008532-2, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data de Julgamento: 17/02/2010, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Criciúma)
Encontra-se em tramitação no Senado proposta já aprovada pela Câmara dos Deputados que prevê que a chamada “vingança virtual” passe a ser um crime enquadrado na Lei Maria da Penha. O texto modifica o Código Penal e estipula pena de 3 meses a um a quem divulgar pela internet, sem consentimento, imagens íntimas de ex-cônjuge, ex-companheiras ou ex-namoradas.
Espera-se que a lei seja aprovada, afinal, uma pesquisa realizada pelo Data Popular/Instituo Avon em 2014 revelou que 28% dos homens ouvidos afirmam já ter repassado imagens de mulheres nuas aparentemente produzidas sem autorização que receberam pelo celular, sejam elas fotos ou vídeos. Enquanto isso, entretanto, há outros meios para amparar as vítimas de tais violências.
“Quando você sofre um crime de internet, sofre três dores: a da traição da pessoa que você amava, a vergonha da exposição e a dor da punição social. As vítimas deste tipo de crime são responsabilizadas pela maioria das pessoas, enquanto o agressor ainda é poupado pela sociedade machista”. (Rose Leonel, jornalista e fundadora da ONG Marias da Internet, em depoimento no Fórum Fale sem Medo de 2014).
[1] MORAIS, Walter. Direito à própria imagem e proteção jurídica, 2003, p. 185.
[2] Retirado do domínio: < http://revistamarieclaire.globo.com/Noticias/noticia/2016/10/cyber-vinganca-especialista-da-dicas-de-como-reagir-e-se-prevenir.html> no dia 18 de Outubro de 2017, às 16h33.
[3] FERNANDES, Milton. Proteção civil da intimidade. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, 1996, p. 268.