Recentemente o STF apreciou a questão da prescritibilidade ou não das punições decorrentes dos atos de improbidade administrativa, mais especificamente acerca da condenação em ressarcimento dos danos causados ao Erário Público.
O julgamento em questão mostrou uma grande celeuma verificada nos votos dos ministros do STF. De um lado o Ministro Alexandre de Moraes, relator do RE 852475, votou pela prescrição quinquenal da pena de ressarcimento ao Erário Público, no que foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Contrários à prescrição votaram os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Celso de Mello, Luiz Fux e Roberto Barroso. Mas o curioso é que os ministros Luis Fux e Roberto Barroso, que inicialmente votaram pela prescrição, mudaram seus votos, fazendo valer a regra da imprescritibilidade.
E uma nova particularidade foi estabelecida, ao estabelecer que a imprescritibilidade vale apenas para ressarcimento dos danos decorrentes de ATOS DOLOSOS (digo isto porque a Constituição Federal não faz distinção entre atos de improbidade administrativa em dolosos e culposo. Foi a tese aprovada:
São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
STF. Plenário. RE 852475/SP, Rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, Rel. para acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2018.
Isto significa dizer que os atos de improbidade administrativa CULPOSOS sofrem a prescrição quinquenal.
Além da pena de ressarcimento ao Erário Público, outras penas são previstas na Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92: a) perda de função pública; b) suspensão dos direitos políticos; c) multa; d) proibição de contratar com o Poder Público ou dele receber vantagens. Estas penas já prescreviam nas condições estabelecidas pelo art. 23 da Lei 8.429, conforme posição pacificada dos Tribunais. Agora, pela decisão do STF, a prescrição atinge também o ressarcimento ao Erário Público decorrente de ato de improbidade CULPOSO.
Posição já pacificada pelo STF aponta também que os atos de improbidade previstos no art. 9º da Lei 8.429 – decorrentes de enriquecimento ilícito às custas do Erário Público -, do art. 10-A – atos de improbidade administrativa decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário – e do art. 11 – afronta aos princípios da Administração Pública – somente são puníveis desde que demonstrado o DOLO. Já nos casos em que houver ato de improbidade previsto no art. 10 – atos que causem prejuízo ao Erário Público sem caracterizar enriquecimento ilícito – a punição pode ser aplicada tanto em caso de CULPA ou de DOLO. E é nesse art. 10 que surge a discussão.
Como já exposto acima, é o art. 23 da Lei 8.429 que estabelece a forma de contagem da prescrição. Quando se tratar de agente público em exercício de mandato eletivo, a prescrição quinquenal começa a correr a partir do término do mandato (art. 23, I). Quando o agente exercer cargo em comissão ou função de confiança, o prazo se inicia com a extinção do cargo (art. 23, I). Quando o agente público exercer cargo efetivo ou emprego público, a prescrição é contada com base no prazo estabelecido em lei específica (geralmente os estatutos dos servidores públicos) para as faltas puníveis com demissão a bem do serviço público (art. 23, II); em se tratando de atos que dependam de prestação de contas, o prazo é de 05 anos a contar da prestação de contas final (art. 23, III). Se as ações judiciais para apuração de ato de improbidade administrativa forem ajuizadas após estes prazos, haverá a prescrição – ressalvados os casos de condenação por atos dolosos que importem em danos ao Erário Público, que são imprescritíveis, conforme a recente decisão do STF.
Assim, é extremamente importante que, na defesa dos agentes processados por ato de improbidade administrativa, seus advogados tentem demonstrar que, no máximo, seus clientes agiram de forma culposa, e não dolosa. Isto porque, nesta hipótese, poderão arguir a prescrição quinquenal.
Outro ponto a ser observado é que a imprescritibilidade atinge apenas as condenações ao ressarcimento do Erário Público, e não às demais penas. Com isso pretendo afirmar que pena de MULTA não é atingida pela imprescritibilidade, porque multa é PENA e não é ressarcimento pelos danos sofridos.
A decisão do STF no RE 852475 possui caráter de REPERCUSSÃO GERAL, isto é, os demais tribunais devem seguir a tese aprovada pela Corte Suprema. E várias ações judiciais estavam suspensas para aguardar a decisão do STF (segundo a Ministra Presidente Carmen Lúcia, eram 999 ações suspensas). Agora, tais ações terão prosseguimento e, onde houver condenação ao ressarcimento ao Erário Público por ato doloso de improbidade administrativa, não se aplica a prescrição. Nas condenações por ato culposo, as ações devem ser extintas pela prescrição.
Minha crítica pessoal é que o STF decidiu com base em casuísmos, deixando de lado o aspecto jurídico constitucional da matéria. Digo isto porque o Ministro Luiz Fux, que anteriormente havia votado pela prescrição, mudou seu voto pela imprescritibilidade por “não se sentir confortável” em permitir que agentes públicos condenados por enriquecimento ilícito fossem beneficiados com a prescrição, e por consequência sendo desobrigados a devolver o dinheiro apropriado indevidamente. O argumento pode até ser correto do ponto de vista moral, mas a Constituição Federal não distingue atos ímprobos entre culposos ou dolosos. Considero que um magistrado não pode decidir conforme o seu sentimento de conforto ou não por determinada matéria, mas de acordo com a lei.
E isto já tinha se verificado anteriormente quando o STF decidiu que um condenado criminalmente pode ser preso após a condenação em segunda instância, fora dos casos de flagrante e de prisão cautelar, contrariando o que a Constituição Federal estabelece: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII da CF). Não se trata de defender a não prisão de condenados notórios, como é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o de prestigiar a letra da Constituição (se a ideia é prender quem ainda não teve o seu processo transitado em julgado, então que se mude a redação da Constituição).