A desapropriação é uma das modalidades de intervenção da Administração Pública (União, Estados e Municípios) na propriedade privada. Diferentemente de outras espécies de intervenção – tais como o tombamento, a requisição administrativa e a ocupação provisória –, em que se restringe a forma e a abrangência do direito de propriedade sem ocorrer a restrição absoluta do direito do proprietário, na desapropriação há a subtração da propriedade (ou parte de propriedade) do particular, geralmente um bem imóvel, não sendo mais o cidadão o dono do que antes era seu.
Mas, antes de se aprofundar na questão da desapropriação, especificamente sobre a modalidade de desapropriação objeto desse artigo (indireta), importante se faz conceituar o que é o direito de propriedade e a forma como esse direito está definido (e protegido) em nosso ordenamento jurídico.
1) O direito de propriedade e suas exceções
O art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88) é responsável por elencar os direitos fundamentais dos cidadãos, inclusive o direito à propriedade, o que faz nos seguintes termos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
XXII – é garantido o direito de propriedade;
[..]
XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; […]
O Código Civil (2002), em seu art. 1.228 também dispõe no mesmo sentido. Vejamos:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
[…]
3º. O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
Assim, como se percebe, apesar de garantir expressamente o direito do particular de livremente “usar, gozar e dispor” de sua propriedade, a própria Constituição Federal e a legislação civil admitem exceções ao direito de propriedade, possibilitando a desapropriação “por necessidade ou utilidade pública ou interesse social”.
Nas palavras de Luiz Antônio Scavone Junior [1]:
Essa antinomia sempre existiu em nosso Direito.
De um lado o Estado cuida de proteger o direito de propriedade. De outro, permite a sua perda por meio de prévia e justa indenização em dinheiro. Bem pensado, ainda que o direito de propriedade esteja garantido, às vezes é inevitável a desapropriação, mormente quando o Estado necessita do imóvel para atingir algum objetivo imperioso de interesse e necessidade pública.
Dessa forma, toda vez em que a Administração – motivada por utilidade ou necessidade pública ou interesse social – precisar tomar para si imóvel que pertence à particular, assim o fará por desapropriação.
2) A “utilidade ou necessidade pública” e o “interesse social” como justificativas para desapropriação
Previstos no Decreto-Lei n. 3.365/1941 e na Lei 4.132/1962, são alguns exemplos comuns de justificativas para desapropriação por “utilidade ou necessidade pública ou interesse social”: i) a abertura, conservação ou melhoramento de vias ou logradouros públicos; ii) a preservação e conservação de monumento histórico ou artístico; iii) a construção de casas populares; iv) socorro público em caso de calamidade; v) casos em que esteja em risco a segurança nacional, dentre outras hipóteses previstas em leis especiais.
Como os casos previstos em Lei são apenas exemplos de situações em que se possibilita a desapropriação, é preciso ter em mente que a “necessidade pública” estará presente sempre que o Estado se deparar com situações emergenciais que, necessitando de solução rápida e urgente, fazem necessária a “transferência urgente de bens de terceiros para o seu domínio e uso imediato” [2].
Diferentemente da necessidade pública, “a utilidade pública é caracterizada na hipótese de transferência de bens de terceiros para a Administração por simples conveniência” [3]. Não há situação emergencial, mas sua implementação será oportuna e conveniente (útil) ao interesse público.
Por sua vez, a desapropriação por interesse social se destina às situações em que o Poder Público entende que, por meio da desapropriação, poderá dar melhor aproveitamento, utilização ou produtividade à propriedade, em benefício do coletivo, isto é, não se destina à própria Administração. Exemplo disso é a construção de casas populares, ou a desapropriação com o fim de preservar cursos e mananciais de águas.
3) Desapropriação INDIRETA e o direito à indenização.
O problema para o particular acontece quando, apesar da Constituição prever “justa e prévia indenização”, o Poder Público promove a desapropriação (geralmente de imóvel) sem cumprir com o referido requisito ou outras formalidades legais, deixando o cidadão privado de sua propriedade (ou parte dela) sem indenizá-lo devidamente. Nesses casos, restará caracterizado o esbulho da propriedade particular, ou seja, a apropriação ilegítima da propriedade pelo Estado, sem qualquer suporte na lei. Essa é a chamada desapropriação indireta.
Na desapropriação indireta, a Administração Pública finge a ocorrência de uma servidão que, na verdade, configura uma desapropriação. Como exemplo, pode-se citar a passagem de fios de alta tensão pela propriedade, onde o particular não poderá construir, tendo em vista o campo energético em que há na fiação. Neste caso, a jurisprudência entende que deve haver desapropriação indireta, pois inibe o proprietário na utilização do bem [4].
Ainda que o Estado tenha se apoderado ilegitimamente, “uma vez consumado o esbulho, depois de consolidada a propriedade como patrimônio público, os bens expropriados ilicitamente tornam-se insuscetíveis de reintegração ou reivindicação” [5].
Não se podendo reintegrar na posse do imóvel que já se consumou propriedade pública, só caberá ao particular lesado requerer a indenização correspondente, através de ação judicial.
4) Em quanto tempo prescreve o direito à indenização por desapropriação indireta?
A jurisprudência dos tribunais pátrios firmou entendimento de que o prazo de prescrição para ações de indenização por desapropriação indireta seria o mesmo aplicável para a usucapião (extraordinária).
O Código Civil de 2002 reduziu o prazo da usucapião extraordinária para 15 anos (art. 1.238, caput) e previu a possibilidade de aplicação do prazo de 10 (dez anos) nos casos em que o possuidor tenha estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Considerando que a desapropriação indireta pressupõe a realização de obras pelo Poder Público ou sua destinação em função da utilidade pública/interesse social, com base no atual Código Civil, o prazo prescricional aplicável às expropriatórias indiretas passou a ser de 10 (dez anos) (STJ, Min. Humberto Martins).
A indenização deverá levar em consideração a porção da propriedade que foi tomada pela Administração Pública, sua desvalorização, bem como outros danos comprovadamente sofridos pelo particular em razão da desapropriação indireta.
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que o particular, toda vez que tiver seu direito de propriedade tolhido em razão de uma intervenção da Administração, fará jus à “prévia e justa indenização” (art. 5º, XXIV, Constituição Federal). Não ocorrendo a desapropriação segundo as formalidades exigidas, especialmente no que concerne à referida indenização, estará caracterizada a apropriação ilícita da propriedade pelo Poder Público, a chamada desapropriação indireta, que, caso consumada, obrigará o particular a procurar seu direito à indenização na Justiça, sendo o prazo prescricional para entrar com a ação judicial de 10 (dez) anos.
[1] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: teoria e prática. 11 ed. São Paulo: Forense, 2016, p. 96.
[2] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: teoria e prática. 11 ed. São Paulo: Forense, 2016, p. 98.
[3] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: teoria e prática. 11 ed. São Paulo: Forense, 2016, p. 98.
[4] CERA, Denise Cristina Mantovani. O que se entende por desapropriação indireta? Artigo disponível em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1877080/o-que-se–entende-por-desapropriacao–indireta-denise-cristina-mantovani-cera. Acesso em 30.01.2018.
[5] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: teoria e prática. 11 ed. São Paulo: Forense, 2016, p. 101.