A postagem de hoje fala de situação que, infelizmente, é cada vez mais corriqueira na vida dos empregados. O chamado limbo jurídico acontece quando a empresa entende que o trabalhador se encontra inapto para o trabalho e, ao mesmo tempo, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) nega o benefício de auxílio-doença para o segurado. Nesses casos, o trabalhador fica na seguinte situação: o INSS não paga o benefício de auxílio doença, pois entende que o segurado pode trabalhar e o empregador, por sua vez, não paga o salário, pois entende que é do INSS a responsabilidade em pagar o benefício de auxílio-doença. E agora, José?
Primeiramente, é importante entendermos que o art. 467 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) aponta que “em caso de seguro-doença ou auxílio enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício”, sendo que até o décimo quinto dia de afastamento, o salário é pago integralmente pelo empregador e, em seguida, fica a cargo do INSS o pagamento dos dias subsequentes de afastamento. Ou seja, diante da concessão do benefício, ocorre a suspensão do contrato de trabalho, o que faz com que o empregador possa deixar de pagar os salários daquele período.
Nos casos em que a concessão do auxílio doença pelo INSS não ocorre e a empresa considera o empregado incapacitado para o trabalho, infelizmente inexiste uma norma que possa nos guiar. Entretanto, sabe-se que o contrato de trabalho somente está suspenso quando o empregado estiver em “gozo de auxílio-doença” (art. 63, Lei 8.213/91). Sendo assim, se o benefício do auxílio-doença foi negado pelo INSS, o único entendimento possível seria o de que o contrato de trabalho não está suspenso e, consequentemente, seria dever do empregador pagar os salários do obreiro.
Ademais, lembra-se que não é cabível em tais situações a alegação de que não se deve pagar salários ao empregado pela ausência de prestação de serviço, uma vez que o art. 4o da CLT é bastante claro ao prever que “considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição expressamente designada”. Logo, uma vez que o empregado tem o benefício negado e se encontra à disposição da empresa, não pode a mesma ignorar tal fato e mandá-lo para casa. O que a empresa deve fazer é, caso entenda necessário, readaptar o trabalhador em função mais compatível com sua atual situação, mas jamais simplesmente deixar de pagar o salário.
Logicamente, não seria admissível situação em que o empregado permanecesse sem trabalho (posto que o empregador não lhe deixa retornar), sem salário e sem benefício previdenciário. Sobre o tema, a jurisprudência majoritária se inclina a considerar ilícita a conduta da empresa que empurra o trabalhador para a situação de “limbo jurídico previdenciário”. Vejamos os julgados:
EMENTA: BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CESSAÇÃO. RETORNO AO EMPREGO. SALÁRIOS DEVIDOS. NATUREZA. O empregado que deixa de receber auxílio doença por obter alta previdenciária, em decorrência da cessação da incapacidade anteriormente diagnosticada, tem direito de retornar ao trabalho. Obstando que o trabalhador reassuma suas atribuições e não tentando readaptá-lo no serviço, o empregador assume os riscos, independentemente da existência de pedido de revisão da decisão administrativa ou da tramitação de processo judicial ajuizado, pelo empregado, contra o órgão da previdência social. São devidos os salários do período, cujos valores mantém a natureza remuneratória e sobre eles incidem os encargos na forma da lei. (TRT da 04ª Região, 4a. Turma, 0001364-16.2011.5.04.0121 RO, em 14/03/2013, Desembargador João Pedro Silvestrin – Relator. Participaram do julgamento: Desembargador Ricardo Tavares Gehling, Juiz Convocado Lenir Heinen)
EMENTA: PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DO PERÍODO DE AFASTAMENTO POR MOTIVO DE SAÚDE NO QUAL O DIREITO AO BENEFÍCIO JUNTO AO INSS NÃO É RECONHECIDO. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. Os efeitos das decisões divergentes entre a empresa e o INSS quanto à aptidão do empregado para o trabalho não podem ser meramente transferidos a ele, sob pena de impor-se ao empregado situação de total insegurança e de desprovimento dos meios para sua subsistência, em nítida afronta ao principio da dignidade da pessoa constitucionalmente assegurado. Invocada a responsabilidade social das empresas e a função social do contrato como respaldo à atribuição de responsabilidade da empregadora. (TRT da 04ª Região, 6a. Turma, 0000290-94.2012.5.04.0733 RO, em 21/08/2013, Desembargadora Beatriz Renck – Relatora. Participaram do julgamento: Desembargador José Felipe Ledur, Desembargadora Maria Cristina Schaan Ferreira)
EMENTA: CONTROVÉRSIA ACERCA DA CONDIÇÃO DE SAÚDE DO EMPREGADO PARA O TRABALHO. SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INAPTIDÃO CONSTATA PELO SEMAL – SERVIÇOS MÉDICOS DE AVALIAÇÃO DA SAÚDE LTDA. 1. O TRT não analisou a controvérsia em vista da distribuição do ônus da prova. Ileso o art. 818 da CLT. 2. Não há como acolher a tese de abandono de emprego, porque o TRT, mediante análise do conjunto probatório, concluiu que o reclamante entre a alta do INSS e a despedida fez várias tentativas de reassumir suas funções junto ao condomínio, sem sucesso. Portanto, fica afastada a alegada contrariedade da Súmula nº 32 do TST. 3. A divergência de teses não ficou demonstrada, incidindo a Súmula nº 296 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST, AIRR – 565-04.2010.5.05.0016 , Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 31/10/2012, 6ª Turma, Data de Publicação: 09/11/2012)
EMENTA: DANOS MATERIAIS E MORAIS – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NEGADO AO EMPREGADO – INAPTIDÃO PARA O TRABALHO – RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS Após a alta previdenciária, e consequente fim do período de suspensão do contrato de trabalho, a regra impositiva de pagamento de salários volta a ter eficácia, ainda que a empresa, contrariando as conclusões da Previdência Social, considere o empregado inapto ao trabalho. Com efeito, deve o empregador responder pelo pagamento dos salários devidos no período em que o empregado esteve à disposição da empresa (art. 4º da CLT), sobretudo diante do seu comparecimento para retorno ao trabalho. Estão configurados os elementos que ensejam o dever de reparação, nos termos da teoria da responsabilidade subjetiva: o dano moral (sofrimento psicológico decorrente da privação total de rendimentos por longo período), o nexo de causalidade (dano relacionado com a eficácia do contrato de trabalho) e a culpa (omissão patronal no tocante ao pagamento dos salários). (TST, RR – 142900-28.2010.5.17.0011 , Relator Desembargador Convocado: João Pedro Silvestrin, Data de Julgamento: 20/11/2013, 8ª Turma, Data de Publicação: 22/11/2013)
EMENTA: RECURSO DE REVISTA. CESSAÇÃO DO AUXÍLIO DOENÇA. EMPREGADO CONSIDERADO INAPTO AO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES PELA EMPRESA. IMPEDIMENTO DE RETORNO. APTIDÃO RECONHECIDA PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ATO ILÍCITO. MARCO INICIAL PARA PAGAMENTO DOS SALÁRIOS E DEMAIS VERBAS. ALTA PREVIDENCIÁRIA. Recurso calcado em violação de dispositivo legal e constitucional. Atenta contra o princípio da dignidade e do direito fundamental ao trabalho, a conduta do empregador que mantém o empregado em eterna indefinição em relação à sua situação jurídica contratual, sem recebimento de benefício previdenciário, por recusa do INSS e é impedido de retornar ao trabalho. Não é possível admitir que o empregado deixe de receber os salários quando se encontra em momento de fragilidade em sua saúde, sendo o papel da empresa zelar para que possa ser readaptado no local de trabalho ou mantido em benefício previdenciário. O descaso do empregador não impede que o empregado receba os valores de salários devidos desde a alta previdenciária, ainda que a ação trabalhista não tenha sido ajuizada de imediato, já que decorre de sua inércia em recepcionar o trabalhador, o fato de ele ter reiterados pedidos de auxílio previdenciário antes de vir a juízo pretender a reintegração ao trabalho. Recurso de revista conhecido por violação do artigo 187 do Código Civil e provido. (TST, RR – 1557-64.2010.5.03.0098 , Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 19/06/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/06/2013)
Na última semana, uma situação que poderíamos encaixar na postagem de hoje ocorreu aqui no escritório. Uma trabalhadora com gravidez de alto risco informou ao seu empregador que a atividade que desenvolvia normalmente passou a ser perigosa em razão do seu estado de saúde. Diante do exposto, o empregador encaminhou a funcionária para o INSS, alegando que a mesma deveria pedir o auxílio-doença. O benefício foi negado e, ao invés do empregador readaptar a trabalhadora em diferente função, o mesmo impediu que essa retornasse ao trabalho e deixou de pagar os salários do período.
Isso posto, pode-se concluir que ante a negativa do INSS em conceder o auxílio doença o contrato de trabalho não se encontra suspenso e, portanto, o salário continua a ser devido pelo empregador, na forma que dispõe o art. 4o da CLT.