Uma das principais mazelas do Poder Público é a corrupção e a desonestidade. Para tanto, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal nº 8.429/92) foi instituída para punir agentes públicos por práticas desonestas no âmbito da Administração Pública. Busca-se punir o agente público desonesto, corrupto, que visa alcançar vantagens pessoais para si ou para terceiros em prejuízo do Erário Público.
Com o decorrer dos anos, esta Lei passou a ser muito mais aplicada no combate à imoralidade administrativa, sendo utilizada constantemente pelo Ministério Público e pelos entes da Administração Pública lesadas.
Mas surgem diversas discussões acerca do real alcance da Lei, porque muitas vezes ela é utilizada indevidamente, seja por conta de um certo “exagero” na sua interpretação, seja para atingir desafetos políticos. Por isso, é importante expor alguns pontos importantes que são discutidos constantemente nos processos judiciais.
1) O que é improbidade administrativa?
É todo aquele ato praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, com visível falta de honradez e de retidão de conduta no modo de agir perante a administração pública direta, indireta ou fundacional envolvidas pelos Três Poderes. “A corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano) revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo “tráfico de influência” nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.”[1]
Como exemplo, podemos citar: o recebimento de propinas e vantagens em detrimento do patrimônio público; a utilização de máquinas e instrumentos públicos em benefício próprio ou de terceiros; adquirir, para si ou para outrem, no exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; emissão de certidão falsa, dentre outros.
2) Quais as modalidades de atos de improbidade administrativa? A Lei 8.429/92 estabelece três categorias de atos de improbidade administrativa:
a) atos graves, previstos no art. 9º da Lei, que importem em enriquecimento ilícito;
b) atos medianos, previstos no art. 10, que importem em prejuízo ao Erário Público, sem contudo se caracterizarem como enriquecimento ilícito;
c) atos leves, previstos no art. 11, que importem em descumprimento dos Princípios da Administração Pública, sem se caracterizarem como sendo ato de enriquecimento ilícito ou de prejuízo ao Erário Público.
Saliento que a gradação por mim adotada (graves, medianos e leves) é apenas didática, de forma a fixar aos estudantes de direito uma melhor compreensão, já que não existe ato de improbidade administrativa que seja “leve”, em razão das repercussões verificadas no âmbito da Administração Pública e, por extensão, à toda à sociedade.
3) Quais as penas aplicáveis em caso de prática de ato de improbidade administrativa?
O art. 12 da Lei 8.429/92 faz uma gradação das penas, aplicáveis conforme o tipo de ato ímprobo praticado. Assim, se houver o enriquecimento ilícito previsto no art. 9º da lei citada, as penas aplicáveis são de “perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos” (art. 12, I).
Nas hipóteses de atos ímprobos que causem danos ao Erário Público sem se caracterizarem como atos de enriquecimento ilícito (art. 10), as penas são de “ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos” (art. 12, II).
Por fim, nos casos de desrespeito aos Princípios da Administração Pública (art. 11), as penas são de: “ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos” (art. 12. III);
4) As penas a serem aplicadas devem ser aplicadas conjuntamente, ou podem ser aplicadas isoladamente?
O parágrafo único do art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa estabelece que “na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”. Isto significa que o juiz, no momento de sua decisão, poderá aplicar todas as penas conjuntamente ou aplicar apenas uma ou mais de uma, conforme seu convencimento. Há se que respeitar, na fixação das penas, os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade, de forma que não se puna com rigor excessivo aquele que cometeu um ato ímprobo de menor impacto e nem se aplique pena excessivamente leve em casos de atos reputados graves. Os Tribunais pátrios vêm utilizando muito os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para modular penas consideradas exageradas aplicadas em instâncias inferiores.
5) Qualquer ato ilegal é considerado ato de improbidade?
A resposta para tal indagação é negativa. Surgem situações em que um ato administrativo seja realizado sem o respeito às normais legais e regulamentares sem que se caracterizem como ato de improbidade administrativa. Isto porque, para a caracterização de ato de improbidade administrativa há que estar presente o elemento subjetivo do dolo ou da culpa grave. O STJ possui posição pacífica quanto ao tema, ao afirmar que “não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92 , ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10″[2]. Não se busca punir o agente público incauto, mas o desonesto, aquele que sabe que seu ato é ilegal e mesmo assim o pratica (dolo), ou pelos menos assume o risco (culpa). Ainda sobre a culpa, não é qualquer culpa que caracteriza o ato como ímprobo, mas a culpa grave, que se situa muito próxima da figura do dolo.
6) Atos de improbidade administrativa podem resultar em pena de prisão?
O desrespeito à Lei 8.429/92, por si só, não pode resultar em prisão do agente público, posto que as penas ali previstas são de caráter civil e político. Mas surgem situações em que um mesmo ato administrativo seja considerado como ato de improbidade administrativa e um ilícito penal. Neste caso o agente pode ser condenado às penas do art. 12 da lei de improbidade e também ser condenado criminalmente pela prática de crime. Serão processos autônomos, distintos entre si, que analisarão um mesmo ato sob dois aspectos distintos, o civil e o penal.
7) O que é a indisponibilidade de bens em um processo por ato de improbidade administrativa?
Como uma das penas aplicáveis é o ressarcimento dos danos causados ao Erário Público, podem surgir situações em que, no transcorrer do processo os bens do acusado sejam tornados indisponíveis, justamente para se garantir, ao final do processo e em caso de sua procedência, que o ressarcimento seja possível. Se ficar demonstrado que o acusado pode, durante o processo, tentar dissipar seu patrimônio de forma a tornar impossível o ressarcimento dos danos causados, poderá o juiz aplicar uma medida cautelar de tornar indisponíveis os seus bens, os quais serão ao final penhorados e vendidos em hasta pública, revertendo o valor alcançado para o ente público prejudicado. Mas esta é uma medida extrema, que infelizmente vem sendo buscada de forma indiscriminada pelo Ministério Público e concedida sem maiores cautelas pelo Poder Judiciário. Entendo que deve estar demonstrado que o acusado esteja praticando atos de dissipação do seu patrimônio, e não o mero temor de que isto possa acontecer.
8) Particulares podem ser punidos por atos de improbidade administrativa?
O art. 3º da Lei 8.429/92 estabelece que “as disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.” Assim, caso um particular, pessoa física ou jurídica, induza ou concorra para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficie direta ou indiretamente, poderá ser igualmente punido. Como exemplo, pode um agente público beneficiar um particular com a utilização de maquinários ou servidores públicos para a realização de serviços particulares de terraplanagem em terreno deste último. Neste caso, tanto o agente público como o particular beneficiado responderão pela prática de ato de improbidade.
9) Os atos de improbidade administrativa prescrevem com o decorrer do tempo?
Esta é um questão que envolve várias posições. O art. 23 da Lei 8.429/92 estabelece que: “As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego; III – até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei.
Imagine-se, então, o caso de um prefeito acusado de ato de improbidade. Neste exemplo, as ações que busquem as penas previstas na lei prescrevem em 05 anos após o término do seu mandato. Contudo, há que entenda que as penas de suspensão dos direitos políticos, perda de função pública, multa, proibição de contratar com o serviço público ou dele receber benefícios não poderiam mais ser aplicadas se a ação fosse ajuizada após o prazo previsto, mas que o ressarcimento dos danos ao Erário Público ainda poderia ser perseguido, sob o argumento de que as ações desta natureza em favor do Poder Público são imprescritíveis com base no art. 37, § 5º da Constituição Federal. Contudo, já existem várias decisões judiciais que aplicam a prescrição também aos casos de ressarcimento de danos.
10) Qualquer pessoa pode ingressar com ação por prática de ato de improbidade administrativa?
Não. A legitimidade ativa para o ingresso de ações de tal natureza é exclusiva do Ministério Público ou do ente público prejudicado. Mas qualquer pessoa, ao tomar conhecimento da prática de um ato de improbidade administrativa, poderá representar à autoridade administrativa competente ou ao Ministério Público para que tome as medidas legais e judiciais cabíveis. Há que se salientar que a denunciação caluniosa (representar alguém por prática de ato de improbidade administrativa quando o sabe ser inocente) constitui crime punível com detenção de seis a dez meses e multa, além de indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado (art. 19 e seu parágrafo único,
[1] PAZZAGLINI FILHO et alii. Improbidade administrativa. Aspectos jurídicos da defesado patrimônio público. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
[2] AIA 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 28/09/2011