O tema “animais de estimação em condomínios” é algo que, ainda hoje, gera muitas discussões dentro do ambiente condominial.
A partir do crescimento e concentração populacional nas áreas urbanas desde a metade do século passado – e especialmente nas últimas décadas –, pode-se verificar a ocorrência de dois fenômenos: i) A verticalização das moradias urbanas, com o surgimento dos edifícios prediais; e ii) O crescimento exponencial da população de animais domésticos.
A partir dos dados do último Censo realizado pelo IBGE, temos que o número de domicílios considerados particulares e permanentes ultrapassa os 57,3 milhões. Deste total, 6,1 milhões são apartamentos. Assim, morar em um condomínio edilício tem se tornado cada vez mais comum – e é aí que começam os conflitos.
Se, por um lado, estima-se que 1 a cada 10 brasileiros resida em apartamento – organizados na maioria das vezes sob a forma de condomínio edilício –, por outro, o número de animais domésticos, os queridos pets, alcança um montante muito mais expressivo: são cerca de 52 milhões de cães e 22 milhões de gatos vivendo em lares brasileiros.
Isso porque, na realidade atual, os animais de estimação, os queridos “pets”, estão cada vez mais presentes na vida das pessoas, as quais, por muitas vezes, chegam a considerá-los como membros da família.
Mas quando a questão aporta na seara dos condomínios, a situação pode ser um tanto quanto delicada. Problemas como excesso de latidos, mau cheiro e agressividade são frequentemente relatados como fonte de perturbação e stress por condôminos, especialmente por aqueles que não nutrem afeição em relação aos bichinhos.
Sendo assim, analisaremos a questão da existência de animais nos condomínios e como o síndico deve agir nessas situações.
Impossibilidade de proibir a existência de animais em apartamentos.
Antigamente, muito comum era a cláusula proibitiva de animais de estimação em condomínios. Ocorre que, nos dias de hoje, ainda que a Convenção condominial venha a proibir a posse de animais, a justiça tende a autorizar a permanência do pet, desde que o animal seja de porte adequado e não ofereça risco aos condôminos ou às pessoas que necessitem entrar nas unidades autônomas. Se o dono do animal lograr êxito em mantê-lo sem perturbar os direitos dos demais moradores (sossego, segurança…), não há como proibir a convivência, ainda que a Convenção possua cláusula proibitiva nesse sentido.
No entendimento do autor Arnaldo Rizzardo – do qual comungamos – não se revela abuso ou conduta relapsa “se os animais ficam no círculo restrito da área privativa, se não provocam barulho excessivo e se não constituem ameaça de perigo à saúde”. Para Rizzardo, “deve dominar o princípio de que a presença dos animais na unidade autônoma sofre limitações se decorre risco à saúde, segurança e ao sossego dos vizinhos”[1]
Animal de estimação antissocial.
Superada a questão da impossibilidade de se proibir os animais de estimação dentro do Condomínio, passa-se a discorrer sobre o animal antissocial, isto é, aquele que afronta a convivência condominial, acarretando prejuízo ao sossego, segurança, ou saúde dos demais condôminos.
A esse respeito, há que se mencionar o artigo 1.336, inciso IV do Código Civil:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
[…]
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
Além disso, preconiza o artigo 19 da Lei do Inquilinato (Lei n. 4.591/1964) que,
Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.
Como visto no artigo acima, o condômino deve manter a sua unidade autônoma livre de qualquer situação que possa prejudicar a boa convivência e os direitos dos demais moradores. Caso contrário, lhe poderá ser aplicada a multa prevista na Convenção condominial ou, ainda, a prevista no artigo 1.337 e seu parágrafo único. Vejamos o que dispõe o texto legal:
Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.
Persistindo o problema, mesmo com a aplicação das sanções convencionadas e/ou legalmente previstas, resta para o condomínio a busca da tutela jurisdicional, com medida judicial visando a retirada dos animais (ação de obrigação de fazer). Nesse sentido, o artigo 1.277 do Código Civil assim prevê:
Art. 1.277. O proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Regulamentar em vez de proibir: criação de parâmetros na Convenção de condomínio.
A fim de preservar os direitos de todas as partes, tanto daqueles que possuem animais de estimação em seus apartamentos dentro do condomínio, quanto dos que não possuem e não gostam de ser perturbados pelos pets, a melhor saída é a devida regulamentação na Convenção condominial, com a criação de parâmetros que permitam a boa convivência.
A par disso, uma cláusula que, em vez de proibir a existência de animais, disponha sobre a forma como eles devem ser mantidos pode ser muito mais eficiente para evitar desgastes e problemas, além de amoldar a situação às peculiaridades e exigências do condomínio.
Vejamos o exemplo:
Cláusula 7ª. É permitido aos condôminos possuírem animais de estimação, desde que sejam de pequeno porte e obedeçam o limite máximo de 2 (dois) animais por unidade autônoma.
Parágrafo único: É vedada a livre circulação de animais de estimação nas áreas comuns, devendo o respectivo condômino possuidor carrega-lo no colo dentro do ambiente condominial, inclusive no elevador.
Como visto no exemplo, a regulamentação de um direito pode ser muito mais eficiente e satisfatório do que a simples proibição, cabendo ao síndico fiscalizar e zelar pela aplicação dos regulamentos condominiais.
Por fim, vale dizer que o que efetivamente importa nessas situações é o bom senso, especialmente dentro do universo dos Condomínios, que devem, sempre, ser guiados pelo diálogo, compreensão e respeito.
[1] RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 83.