Muitos servidores públicos contraem empréstimos consignados, onde a garantia é o próprio salário. Pelo prazo das parcelas, mensalmente é descontado parte do salário do devedor, até a sua completa quitação. Mas o que ocorre quando o devedor morre durante a vigência do contrato de empréstimo consignado?
A matéria é controvertida. Há quem considere que o débito se extingue com a morte do devedor, o que faz com que os seus herdeiros não fiquem obrigados a pagar tal débito, mesmo que tenham recebido bens em herança. Outros consideram que os herdeiros continuam respondendo pela dívida mesmo após a morte do devedor, desde que tenham recebido bens em decorrência da sucessão (herança).
Em primeiro lugar, nenhum herdeiro assume uma dívida maior, deixada pelo falecido, do que sejam os bens recebidos, independentemente da natureza da dívida. Exemplificativamente, se um devedor deixou uma dívida de R$ 100.000,00, mas deixou bens apenas de R$ 50.000,00, os bens deixados servirão para quitar parte da dívida, e o restante do débito se extingue, já que o art. 1.997 do Código Civil afirma que os herdeiros só assumem os débitos do falecido até o montante dos bens deixados em herança.
No caso específico de dívidas deixadas pelo falecido em razão de empréstimos consignados, a discussão principal é: se os herdeiros assumem a dívida ou não.
Existia uma lei, de nº 1046, de 1950, que tratava de empréstimos consignados para servidores públicos. Assim, entendo que ela não se aplica para empréstimos consignados contraídos por quem não seja servidor público. Esta lei dispunha em seu artigo 16 que “ocorrido o falecimento do consignante, ficará extinta a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em folha”.
A Lei nº 1046/50 nunca foi revogada expressamente por nenhuma outra lei posterior. Posteriormente adveio a Lei 8.112/90 – Estatuto dos Servidores Públicos Federais, que muitos consideram que revogou tacitamente a lei 1046/50, porque o seu artigo 45 dispõe sobre os empréstimos consignados. Contudo, este artigo 45 da Lei 8.112/90 não tratou da questão da morte do devedor de empréstimo consignado. Ora, a partir do momento em que não houve um novo dispositivo legal que tratou de forma diferente o disposto no artigo 16 da Lei 1046/50 (aliás, nem sequer tratou), este continua em vigor.
Há ainda quem defenda que art. 1.997 do Código Civil revogou a lei 1046/50. Mas esta revogação seria tácita, não expressa. Ocorre que o Código Civil é um lei geral, que não pode revogar uma lei especial, como o é a Lei 1046/50.
Como expus anteriormente, a questão é controvertida. Alguns tribunais consideram que a Lei 1.046/50 foi revogada pela Lei 8.112/90 e pelo art. 1.997 do Código Civil. É o caso do TRF da 4ª Região. Mas vários outros, como TRF/5, TRF/1, TJSP, TJRJ, TJPR e TJPE vêm decidindo que o art. 16 da Lei 1.046/50 continua em vigor, e que portanto as dívidas decorrentes de empréstimos consignados são extintas com a morte do devedor.
A matéria foi colocada para apreciação do STJ, em Recurso Especial (pendente de julgamento) justamente pela divergência jurisprudencial que se verifica entre tantos tribunais, uns decidindo pela extinção da dívida e outros decidindo pela revogação da Lei 1.046/50, e por consequência mantendo a dívida viva para ser paga pelos herdeiros do devedor falecido (até o montante do valor recebido em herança).
Se por um lado existe um benefício para os herdeiros, já que não pagariam o valor que o falecido teria incorporado ao seu patrimônio, por outro lado há a defesa do Estado de Direito. Afinal de contas, leis foram feitas para serem cumpridas, e há toda uma sistemática técnico-jurídica para fazerem as mesmas entrarem em vigor e serem revogadas. Se não se observa tal sistemática, a lei continua em vigor. E neste sentido afirmo, conforme minha convicção, que o art. 16 da Lei 1.046/50 continua em vigor, e que portanto os herdeiros não assumem as dívidas do falecido decorrentes de empréstimos consignados.